A Polícia Federal recebe, diariamente, cerca de 1.500 denúncias sobre conteúdos potencialmente abusivos ou perigosos contra crianças e adolescentes. Os dados são encaminhados pelo Necmec (Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas), órgão dos Estados Unidos que compartilha informações do tipo para vários países.
A informação é da secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Lilian Cintra de Melo, que trabalha na prevenção e no enfrentamento da violência no ambiente digital.
A discussão sobre a segurança de crianças na internet ganhou novamente os holofotes após a morte de Sarah Raíssa Pereira de Castro, de 8 anos, no Distrito Federal. A menina morreu na última semana após supostamente participar do chamado “desafio do desodorante”, uma prática que circula nas redes sociais.
Como mostrou a Folha, esse e outros casos levantam discussão sobre regulação das plataformas, o uso de redes sociais e a responsabilidade das famílias em relação ao controle do conteúdo consumido por crianças e adolescentes.
A Necmec é uma organização americana sem fins lucrativos que atua na busca por crianças desaparecidas, no enfrentamento à exploração sexual infantil e na prevenção de novas formas de vitimização de crianças e adolescentes.
No Brasil, as denúncias recebidas pelo centro são encaminhadas à Polícia Federal por meio da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal). Atualmente, a corporação conta com uma Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos, responsável por investigar esse tipo de ocorrência no ambiente digital.
“A Polícia Federal utiliza as informações recebidas dos Estados Unidos, através do Necmec, para criar inteligência e para conduzir investigações em casos de crimes contra crianças e adolescentes. Essa colaboração é importante pois, principalmente em grupos online, pode haver a existência de lideranças e a monetização de conteúdo”, disse a secretária.
Além da PF, Lilian Cintra afirma que o Ministério da Justiça tem outra frente de atuação através do Ciberlab (Laboratório de Operações Cibernéticas), ligado à Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Esse órgão realiza um monitoramento de inteligência de redes sociais e grupos de mensagens abertos.
O grupo atua não apenas na identificação dos conteúdos que circulam na internet, mas também na análise de tendências, diz a secretária. Quando um indivíduo ou grupo envolvido em atividades criminosas é identificado, as informações são repassadas às polícias estaduais.
“Em determinados momentos, há uma maior disseminação de conteúdos extremistas que incitam a violência nas ruas; em outros, o foco pode estar no incentivo à automutilação. É importante essa identificação para que possa atuar”, explicou.
Segundo a secretária, apesar do volume de denúncias recebidas, os dados ainda estão longe de refletir a real dimensão do problema que envolve crianças e adolescentes no ambiente digital. “A gente sabe que é só uma gota no oceano”, afirmou.
Uma das propostas da pasta é criar um canal digital unificado para denúncias de violência online contra crianças e adolescentes. O objetivo é centralizar os relatos —hoje dispersos entre diferentes plataformas —, acelerar a resposta das autoridades e agilizar a remoção de conteúdos. A expectativa é que o canal esteja em funcionamento até o final de 2025.
“Atualmente, o Ministério da Justiça recebe dados de diversas fontes, incluindo o Necmec via Polícia Federal, a Safernet, o Disque 100, e os canais oficiais da polícia. Essa dispersão de plataformas dificulta que o público saiba onde reportar conteúdos criminosos encontrados na internet”, disse a secretária, acrescentando que essa integração deve envolver todas as polícias brasileiras.
Além disso, a secretaria diz que a pasta desenvolve uma ferramenta de verificação etária para limitar o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos digitais que não condiz com a indicação da sua faixa etária.
Ainda sem modelo definido, a proposta que tem mais interessado a pasta prevê o uso de um token anônimo, gerado pelo governo e vinculado aos dados oficiais do cidadão. O código seria inserido em aplicativos de celular para comprovar a faixa etária do usuário, sem violar a privacidade.
“Estamos estudando as melhores práticas internacionais e buscando uma solução que respeite as especificidades brasileiras”, afirmou a secretária, que disse que países como a Austrália, Reino Unido e Índia já têm modelos parecidos.
Além da verificação etária, o governo trabalha na elaboração de um projeto de lei que prevê a responsabilização de provedores de internet —como redes sociais, plataformas de vídeo, serviços de mensagens e sites de hospedagem de conteúdo— com foco na prevenção e mitigação de riscos no ambiente digital.
A proposta estabelece obrigações como a remoção de conteúdos ilícitos e prevê sanções em caso de descumprimento. Tratado como um marco legal para a proteção no ambiente digital, o texto já foi finalizado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e encontra-se atualmente em análise na Casa Civil.