As CPIs que marcaram o Brasil: de escândalos políticos à influência de apostas online

Ao longo das últimas décadas, o Brasil viu o surgimento de diversas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que impactam no cenário político e social do país. Esses mecanismos de investigação parlamentar têm sido essenciais para trazer à luz escândalos de corrupção, desmandos administrativos e relações obscuras entre o poder público e setores privados. Algumas dessas CPIs transcenderam o universo político e impactaram diretamente a vida da população, provocando mudanças legislativas, prisões de figuras influentes e transformações na opinião pública.

A CPI do PC Farias foi um divisor de águas na política brasileira. A investigação girava em torno de Paulo César Farias, então tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello. As apurações revelaram um sofisticado esquema de corrupção envolvendo o desvio de recursos públicos para fins pessoais, o que culminou na abertura do processo de impeachment do presidente da República. Collor renunciou antes do julgamento final, mas seu afastamento representou a consolidação do poder das CPIs como instrumento de controle democrático e resposta às pressões populares.

CPI dos Anões do Orçamento (1993): fraudes no coração do Congresso

Em 1993, a CPI dos Anões do Orçamento escancarou um esquema de fraudes na manipulação de emendas parlamentares ao Orçamento da União. Deputados federais foram flagrados desviando verbas públicas por meio de entidades de fachada e obras superfaturadas. O escândalo resultou na cassação de diversos parlamentares e forçou o Congresso a rever os mecanismos de fiscalização orçamentária, gerando mudanças importantes nos sistemas de controle interno.

A CPI do Judiciário trouxe à tona as entranhas de um dos poderes até então pouco escrutinado: o Judiciário. As investigações tiveram como estopim as irregularidades na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, obra superfaturada que envolvia desvios milionários de recursos públicos. A CPI levou à cassação do então senador Luiz Estevão e à prisão do juiz Nicolau dos Santos Neto, conhecido como “Lalau”, que virou símbolo da corrupção no sistema judicial.

CPI da Nike (1999–2001): futebol, política e interesses comerciais

A CPI da Nike foi instaurada após a controversa derrota do Brasil na final da Copa do Mundo de 1998. A comissão investigou contratos suspeitos entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a multinacional Nike. A CPI revelou cláusulas contratuais que indicavam ingerência da empresa na escalação da seleção e na definição de amistosos, além de doações políticas feitas pela CBF, o que era ilegal. Também vieram à tona denúncias contra fornecedores da Nike por uso de trabalho escravo e infantil, ampliando o alcance da investigação para além do esporte.

CPMI dos Correios e do Mensalão (2005): o escândalo que abalou Brasília

Em 2005, um escândalo iniciado nos Correios resultou na criação da CPMI dos Correios, que acabou revelando o esquema do Mensalão. O caso envolvia pagamentos mensais a parlamentares da base do governo Lula em troca de apoio político no Congresso. A repercussão foi enorme e resultou em condenações inéditas no Supremo Tribunal Federal, atingindo figuras centrais do governo e lideranças partidárias. A CPI consolidou a imagem do Congresso como palco de batalhas contra a corrupção institucionalizada.

A CPI dos Sanguessugas reforçou o papel fiscalizador do Parlamento ao desvendar um esquema de superfaturamento na compra de ambulâncias com recursos de emendas parlamentares. A investigação expôs o envolvimento de dezenas de congressistas com empresas fornecedoras de equipamentos médicos, o que resultou em novas denúncias, cassações e mudanças nos processos de licitação na área da saúde.

CPI da Petrobras (2015): corrupção na maior estatal brasileira

A CPI da Petrobras, instalada em 2015 em meio à Operação Lava Jato, teve grande repercussão ao confirmar denúncias de corrupção sistêmica envolvendo diretores da estatal, empreiteiras e políticos de diversos partidos. A comissão reforçou o papel das CPIs como ferramentas complementares ao trabalho do Judiciário e do Ministério Público, enquanto o Brasil se tornava exemplo internacional de combate à corrupção – embora não sem controvérsias quanto aos métodos e à politização das investigações.

Siga o canal do WSCOM no Whatsapp

CPI da Covid-19 (2021): a responsabilização na pandemia

A CPI da Covid-19 investigou a atuação do governo federal no enfrentamento da pandemia. A comissão reuniu depoimentos de médicos, ex-ministros e empresários, e apontou omissões graves que contribuíram para o alto número de mortes no país. O relatório final atribuiu ao então presidente Jair Bolsonaro nove crimes, incluindo crimes contra a humanidade. A CPI teve intensa cobertura da mídia e forte apelo popular, trazendo à tona a responsabilidade das autoridades públicas em uma das maiores crises sanitárias da história.

CPI das Bets (2024–2025): apostas online sob escrutínio público

Instalada em novembro de 2024, a CPI das Bets representa uma nova fronteira nas investigações parlamentares. A comissão apura o impacto das plataformas de apostas online no orçamento das famílias brasileiras, o uso de influenciadores digitais para atrair apostadores, e possíveis ligações com o crime organizado. Também são investigadas suspeitas de lavagem de dinheiro, evasão fiscal e vínculos com o jogo do bicho. A CPI tem convocado representantes das empresas do setor e autoridades para esclarecer práticas de mercado ainda pouco regulamentadas e que afetam milhões de brasileiros.

O legado das CPIs

Cada uma dessas CPIs, à sua maneira, deixou um legado. Algumas resultaram em prisões e cassações imediatas. Outras, em mudanças legislativas ou em novos mecanismos de controle institucional. Todas, no entanto, revelaram que, mesmo em meio às tensões políticas e às disputas partidárias, o Congresso Nacional pode exercer um papel fundamental no fortalecimento da democracia, na transparência dos atos públicos e na defesa do interesse coletivo.